Fronteiras separam vidas

Quais são os limites das fronteiras e quem traçou linhas tão cruéis?

Por Lizandra Carpes – Jornalista

Originalmente publicado na revista Novolhar da Editora Sinodal

Divulgação Google

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O mundo é divido em fronteiras que cercam territórios. São as linhas imaginárias, ou não, traçadas geograficamente que definem o que tem direito de ir e vir no mundo inteiro. No entanto, estes traços ocupam marcas muito mais profundas na história, seja de uma localidade, ou de vidas. As fronteiras dentro do sistema capitalista globalizado são mais importantes que as vidas que vem e vão e muito mais que isto, estabelecem instâncias de poder. De acordo com o filósofo esloveno Slavoj Zizëk, as mercadorias e o dinheiro têm trânsito livre no mundo, o ser humano, não.

Como não associar as fronteiras aos muros das casas? E muito mais do que isso, como não associar as fronteiras geográficas com aquelas que são traçadas no coração? As ideologias, as crenças religiosas, os preconceitos, a ignorância: tudo isso de alguma forma, cria uma fronteira. O racismo, a xenofobia, a intolerância religiosa, são fronteiras em forma de muralhas que separam e aniquilam vidas.

As fronteiras do mundo estão marcadas com a história de Ailan Kurdi, o menino de três anos, sírio, que foi encontrado morto à beira do mar quando ele e a família tentavam fazer a travessia de barco entre a Turquia e a Grécia. O sangue derramado por conta das fronteiras é de todas aquelas milhares de pessoas que passam meses a deriva no meio do oceano, aguardando compaixão de algum Governo para atracarem em porto seguro com suas famílias. Ailan Kurdi simboliza muitas vidas, muitas mortes e também muitas fronteiras. A comoção com a imagem do menino congelada, da incapacidade humana de compaixão não se estende aos milhares de migrantes que ainda estão sofrendo violações de direitos.

83920e4d-b924-44cd-9032-d104ab38b187Ismaila Diallo não é um menino de três anos, mas, um homem de 39 que está no Brasil há dois. Africano, da República do Guiné, migrou para o Brasil apenas com um amigo, deixando a família no país de origem. “O que me impulsionou a vir para cá, foi uma melhor condição de vida”, explica Ismaila. Os olhos e a pele negros, o sotaque francês, língua oficial de Guiné, a leveza nas palavras são algumas das características deste guineano que veio ao Brasil em busca de trabalho. “Trabalhava lá em Guiné como Padeiro e no Comércio”, conta.

As dificuldades e desafios foram muitos, Ismaila não falava nem uma palavra em Português e o básico do Inglês. Ao desembarcar pela primeira vez em São Paulo (SP), recebeu a informação que teria que voltar. “A Polícia Federal não aceitou minha documentação e meu visto”, relembra. Ismaila nem saiu do aeroporto e embarcou para Dubai. Ele perdeu todo o dinheiro que investiu para vir ao Brasil e ainda gastou suas economias para retornar.

Depois, com a ajuda de um irmão ele conseguiu retornar ao Brasil, frisando que com a mesma documentação, desta vez ficou no país, sua entrada oficial no cruzar de fronteiras. De São Paulo (SP) foi para o Rio Grande do Sul (RS), fez sua carteira de trabalho, ficou empregado por um tempo. Enfrentou solidão e as diferenças de cultura e de sua religiosidade, mulçumana. Sofreu também com o racismo. “Prefiro não falar sobre racismo, tem muito sim, mas fiz muitos amigos no Brasil, amigos quase parentes”, afirma.

Ismaila migrou novamente, agora para Joinville/SC, no momento conseguiu instalar-se: tem emprego e endereço fixo. Sonha em trazer a esposa para morar junto dele. “Ela está esperando por mim este tempo todo e eu esperando por ela”, lamenta. Tentou por duas vezes, mas, ainda não conseguiu autorização. Ele diz que vai ficar na cidade. Gosta do clima quente e do lugar em geral. O seu apelo é que sabendo que o governo brasileiro abre as portas para as migrações, deve também preparar seu povo para recebê-lo principalmente no quesito idioma. “A maioria dos brasileiros só sabe falar Português, um país precisa ter uma segunda língua”, ressalta Ismaila.

Os limites das fronteiras são proteger o território, custe o que custar, mesmo que o custo sejam vidas e os traços destas linhas cruéis foram feitos pela humanidade. No entanto, a história pede uma nova construção e se o migrante for recebido como ser humano e não como mero estrangeiro, quem sabe assim, é possível mudar o rumo de outras histórias.

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