Flores do Mangue

Por Lizandra Carpes

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Esta é uma história de vida que fala de muitas vidas. Uma história que faz memória de uma época de intensas participações políticas. Um verdadeiro exemplo de como é possível se organizar contribuindo para a uma sociedade mais justa e inclusiva apenas com a solidariedade, humildade e justiça social.

Terezinha Cruz é uma daquelas mulheres guerreiras que no mais humilde gesto conseguiu mudar vidas. Com um sorriso franco ela abre o portão e quantas vezes fizera isto: abrir portões, abrir portas, abrir caminhos. A pele negra, as ondas dos seus cabelos encaracolados, a sinceridade no olhar e os traços dos seus 66 anos, reforçam a beleza da sua luta.

Nasceu em Siderópolis, região de Criciúma. Foi a sétima filha de Hercílio José Flausino da Cruz e Ana Faustina da Cruz num total de dez irmãos. Família grande onde os medos eram afagados e não se sentia solidão, apenas o peso das dificuldades de uma grande família que trabalhava como arrendada na roça. “Uma das coisas que sinto mais saudade quando me lembro da minha infância é de estarmos todos juntos: pai, mãe, avós, irmãos, saudade das pessoas”, lembra Terezinha, dizendo que já faz muito tempo e que não irá se lembrar de muitos detalhes.

A infância vai se despedindo, dando lugar a história, o que se foi e o que está por vir. E as coisas de adulto vão chegando tirando a inocência e trazendo responsabilidades. Os sonhos mudam de forma, a boneca e as brincadeiras de roda ficam nas lembranças e surgem novos sentimentos e sonhos. Aos 19 anos Terezinha se casa Valdemar Luiz e lá, no bairro Pinheiro em Criciúma teve dois filhos.

Depois do nascimento dos filhos, Valdemar foi em busca de uma vida mais tranquila e que oferecesse mais recursos para a sua família. Deixou Terezinha cuidando das crianças e veio trabalhar em Joinville. Procurou emprego, procurou casa e chamou Terezinha. “Quando cheguei aqui tudo era mais sossegado”, conta. Agora, já está 45 anos em Joinville e sempre morou no bairro Boa Vista. Lá teve mais três filhos e chamou o restante da família para morar nas proximidades.

Vieram para Joinville por conta de algumas facilidades, no entanto, abraçaram uma luta de amor ao próximo. “Comecei a ver a dificuldade de algumas pessoas que vinham para a cidade e surgiu a vontade de ajudar”, relata. Com os irmãos de luta que encontrou no caminho: Monsenhor Boleslau, Maria da Graça Braz, Irma Kniess entre outros começou uma perseverante luta por alimentação e moradia. Não tinha hora, não tinha frio, não tinha calor que fizesse Terezinha desanimar. Dias e madrugadas a fio se embrenhou Boa Vista adentro para servir sem pedir nada em troca. “Era o ano de 1980 e as pessoas vinham para cá fugindo da miséria, sem nada”, enfatiza.

Sem condições de tirar do próprio bolso para ajudar as pessoas, Terezinha saía e voltava com os ombros carregados de alimentos nas sacolas, esta era a Cruz. Logo, começaram a cadastrar as pessoas para facilitar o auxílio. Em todos os lugares pelos quais passou Terezinha deixou um rastro da sua Cruz. Na empresa onde trabalhou mobilizou pessoas que doaram produtos para produzir mais de 100 cestas básicas. “Eu era cara-de-pau, pedia mesmo, só não ia na rádio porque não queria me aparecer”. A partir destes ideais surgiram festas de natal e festa do dia das crianças, “eu acho que foi o que mais me realizou”, relembra feliz.

Onde tivesse espaço Terezinha e seus amigos de luta assentavam as pessoas, as ferramentas eram pau e lona. “O nosso trabalho não era para nós, em nenhum momento cercamos uma ocupação pra gente” afirma. O suporte que Terezinha precisava encontrava em sua família, nos amigos e no Monsenhor Boleslau. “O Monsenhor deu muita força, seu legado era tenha coragem, não precisa ter medo, se formos presos não somos bandidos, amanhã a gente sai”.

Eles faziam o que a bíblia pedia e eram chamados de comunistas, enfrentavam grandes empresários. “Conseguimos fechar a Tupy”. Não existia partido, o partido era estar ao lado do povo. Os barracos eram construídos em mutirão com os pés atolados no mangue.

Certa vez, o batalhão foi convocado para derrubar os barracos e tirar as pessoas de uma ocupação no Fátima. Todos os companheiros de luta de Terezinha foram para lá, inclusive o Monsenhor. Ele deu a ordem: os homens vão para as barracas, mulheres e crianças ficam à frente da ocupação. “Boleslau colheu um ramalhete de flores do mangue e deu para uma criança de uns cinco anos entregar para o comandante”. No mesmo instante a tropa armada baixou guarda e foi embora, dezoito famílias continuaram com suas casas.

Mesmo com todas as dificuldades Terezinha declara que faria tudo novamente. “Temos que viver a Utopia”, ela diz sorrindo. Hoje Terezinha borda suas ideias com mulheres do bairro que se encontram todas as quartas-feiras na sua casa. É no meio de pinturas, cafés e conversas que conduz o grupo com muito carinho. “Na amizade se livra as pessoas de remédios e da depressão”, completa satisfeita.

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