Liberdades e prisões (Justificando.com)

JM

Por João Marcos Buch

http://justificando.com/2015/01/29/da-serie-prisoes-e-liberdades/

Dia comum na Vara de Execuções Penais. Pela manhã o juiz despacha e decide alguns processos preparados pela assessoria, que exigem maior concentração e que por isso não podem ser deixados para a tarde. Somente antes do meio dia é que tem tranquilidade no gabinete. Separa o caso de um rapaz de 22 anos, condenado a 7 anos de pena privativa de liberdade e que já adquirira tempo para progredir ao regime aberto. Ele tem bom comportamento carcerário, mas o juiz está receoso, pois o crime envolveu violência. Talvez precisasse esperar um pouco mais para avaliar a questão. Deixa de lado e passa para outros casos.

Ao meio dia vai à pé almoçar num restaurante próximo, onde tinha combinado encontrar um amigo também juiz. Na saída do Fórum é abordado pelo pai de um preso que quer esclarecimento sobre se pode ou não entrar com bíblia na visita do filho na prisão. O juiz, que não costuma tratar de questões administrativas do presídio, mas que já tinha conhecimento de que podia, diz ao homem que resolverá a situação à tarde. No caminho para o restaurante, telefona ao assessor e fala para ele preparar estudo sobre o caso de livros religiosos em visitas a presos. Enquanto caminha e conversa ao telefone o juiz ouve alguém chamando. Ao longe vê quatro apenados que trabalham no projeto da prefeitura de limpeza e manutenção de espaços públicos gesticulando. Desliga o telefone, interrompe o caminho e acena, autorizando que se aproximem. Todos, sorridentes, querem informações dos processos. Um diz que já tem direito a regime aberto. O juiz anota os nomes e segue caminho.

Após o almoço, já no Fórum, resolvida a questão da bíblia e repassados os nomes anotados dos detentos à assessoria, o juiz se dirige ao Hospital Regional, para inspecionar o local de internação de uma detenta, com paralisia do lado esquerdo do corpo, por lesão cerebral. Chega no hospital, conversa com enfermeira e médica, ambas muito solícitas. Verifica a condição da detenta que, não obstante o precário estado de saúde, usa corrente no tornozelo, presa à cama. Aquilo não era razoável e oficiaria mais tarde às Secretarias de Estado da Saúde e da Justiça e Cidadania para que avaliassem protocolos de segurança para detentos internados em hospitais, dentro das necessidades de segurança e conforme as atribuições de médicos e agentes penitenciários. Naquele caso, conclui que deve conceder prisão domiciliar para a mulher, para quando ela tiver alta poder se tratar, dispensando ainda o pessoal da escolta, que provavelmente tem serviço mais importante para fazer.

Já no Fórum, despacha e decide mais casos. No final da tarde o assessor lembra que um dos nomes anotados na hora do almoço é daquele caso que o juiz havia separado para avaliar melhor. O juiz não titubeia, lembra do rapaz e da conversa que teve com ele e com os demais detentos no caminho do almoço. Era um bom rapaz, agia com respeito e trabalhava corretamente. Decide conceder o regime aberto. Já por volta das 19h o rapaz é apresentado para soltura no novo regime (recolhimento domiciliar noturno e trabalho durante o dia). Conversa com ele, diz da oportunidade que está tendo, da possibilidade de retomar o caminho correto, feliz. Então sob a luz prata da sala de audiências, no silêncio característico do prédio após o término do expediente, o jovem abaixa a cabeça e começa a chorar baixo, um choro profundo, de uma vida breve, mas muito sofrida. É também um choro de esperança, dum futuro que se abre possível novamente, sem violência, sem vítimas. Terminado o trabalho, o juiz toma um café, pensando sobre aquele dia. Desliga o computador, a cafeteira, apaga a luz e vai embora. Outro dia de trabalho cumprido.

João Marcos Buch é Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Joinville/SC.

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